Com histórias de muitas farras carnavalescas sobre o bloco Cordão da Bola Preta, do Rio de Janeiro, foi lançado recentemente o livro “Vem pro Bola, meu bem!” (Editora Numa). Os contos foram garimpados pelos historiadores André Diniz e Diogo Cunha. Em uma dessas memórias há a história do músico Cartola que justifica sua ausência à Dona Zica em um trecho que diz assim: “Um cara lá me chamou para ir ao Bola Preta. Nós chegamos pra ajudar, pendurar a fotografia do homem. Lá tinha um retrato do Getúlio Vargas, e ficou aquele negócio de tira o retrato do velho, bota o retrato do velho. Quando eu vi… já era quarta-feira”. Em seguida, Zica emendou: “Então, acertaram o retrato do velho, Cartola?”.
A obra em formato de crônicas, também reúne causos sobre o centenário grupo de carnaval, de nomes renomados da época, como: Nei Lopes, Heloisa Seixas, Luiz Antônio Simas, Moacyr Luz e Rachel Valença, entre tantos outros. Sobre isso, André Diniz revelou ao jornal O Globo:
“O Bola é um portão civilizatório que aglutina personagens e culturas de toda a cidade, seja da periferia, da Zona Norte, Zona Oeste. E até de fora dela, como da Baixada Fluminense, São Gonçalo, Niterói. O bloco inventa a cidade através da festa, ocupando a rua.”
Livro em homenagem ao Cordão da Bola Preta
A publicação leva o leitor a entrar e sair (como numa folia de carnaval) de uma parte da história do Bola Preta, criado a partir da garimpagem de causos feitas por Diniz e Cunha. A extensa pesquisa contou com mais de 40 mil páginas de jornais, livros de referência sobre cultura popular carioca e depoimentos gravados de alguns dos fundadores do cordão, entre eles: Chico Brício e K-veirinha. A dupla decidiu intercalar os capítulos com crônicas da equipe de escritores-foliões convidados. Isso confere uma leitura em clima de bate-papo de botequim.
São os casos de ouvir Moacyr Luz contando histórias de uma folia do passado na companhia de Ruy Castro em “Dois no Bola”; das atípicas estripulias de um dia de carnaval começado no Bola Preta, em “Cabelo novo”, narrado por Marcelo Moutinho; e o causo da “levitação” de Heloísa Seixas, contada em “Sobrevoando o Bola”.
Morte de Zé Pereira
Em um dos enredos mais curiosos do livro, está o relato da jornalista Mariana Figueiras, em “No baú alvinegro, mistérios coloridos”, em que é contada a notícia do falecimento do Zé Pereira. Na época, muitos acreditaram ser um mero causo de carnaval em forma de gíria, mas na realidade, conforme versão do Bola Preta, tratava-se do apelido de José Pereira, que foi um andarilho que transitava pela Cinelândia e morreu em pleno carnaval. Como era muito querido pelos foliões, o Zé foi homenageado em seu enterro com uma coroa de flores dadas pelo cordão do Bola.
Entre outras boas histórias carnavalescas está a invenção da monarca da folia. O relato se trata da versão “feminina” do Rei Momo, criada em 1935, e encarnada por bolapretistas bigodudos e barrigudos. Já no ano de 1961, a celebração passou a ser vivida por Maura Possa, que foi eleita a primeira mulher “Rainha Moma” do bloco carioca.
Sucesso do Bola Preta
De acordo com a dupla que organizou a obra, o sucesso atribuído ao Cordão da Bola Preta é ele possuir este gosto pela farra e pela gaiatice, que já vem de berço.
O bloco foi criado em 31 de dezembro de 1918 e surgiu como uma provocação ao então chefe de polícia Aurelino Leal (o mesmo que aparece na letra do samba “Pelo telefone”), que tinha acabado de proibir a constituição de blocos de carnaval no Rio de Janeiro. Diogo Cunha explicou:
“Aí, de porre, só de farra, K-veirinha resolveu fundar o cordão, nesse gesto de humor bem carioca. E acabou que a brincadeira já dura 100 anos.”
Diniz ainda faz um apelo pela continuação da farra do carnaval de rua:
“Estamos num momento de desvalorização pelo poder público dessa vocação da cidade para a festa. Se vivermos numa sociedade que poda as festas, tira as pessoas da rua, vamos viver num lugar mais intransigente. E que acaba com o verdadeiro sentido da cidade, que é o do encontro.”
Fonte: O Globo
*Foto: Divulgação / Agência O Globo